9 de jan. de 2008

Um brasileiro

Domingo de sol. Praia da Daniela. Florianópolis. Centenas de pessoas espalhadas na estreita faixa de areia, outras dezenas se banhando, brincando ou comendo – é, comendo – no mar. Embora o “dolce far niente” estivesse se fazendo valer somado a agradável companhia de amigos e da esposa, uma leve sensação de desconforto começou a me incomodar. Era provavelmente meu superego começando a botar as asinhas de fora, como quem quer dizer: “... tá, mas vai ficar nisso?” De qualquer maneira, a leitura de “Neve”, um romance formidável de Orhan Pamuk mantinha a minha sede por idéias, personagens e enredos, satisfeita. Foi nesse entremeio que conhecemos José. Pele curtida pelo Sol, nordestino, 18 anos. Aparentava 26. Vendedor de castanhas-de-caju. Curioso por natureza, fiz a pergunta inicial: de onde você é? Alagoas foi a resposta. Dali em diante, os convivas entraram na conversa e ela acabou se estendendo. José é um típico brasileiro. Manso, humilde, trabalhador. Deixara mãe, irmão e cunhada na terra natal para levantar algum dinheiro no Sul. Perspectiva do lucro ao final da temporada: R$ 600,00. Montante que, com muita sorte, ele espera poder levar para Alagoas e então realizar seu sonho: aumentar o seu rebanho de cabras. De duas para três.
Por um momento, deixei um sentimento de pena me invadir por ver um jovem ali, longe da escola, de qualquer conforto, ser explorado daquela forma (eles são trazidos do Nordeste por um contratante que lhes paga um percentual ridículo sobre as vendas). Mas, no decorrer da conversa, percebemos que estávamos diante de um legítimo batalhador, cujas metas, simples e palpáveis estavam fortemente alicerçadas na sua cabeça. Enfim, depois de consumirmos nossa porção de castanhas e de um bate-papo instigante tivemos a grata surpresa de vê-lo abrir um belo sorriso seguido de palavras de agradecimento. Por termos conversado com ele. Ouvido sua história. Similar a de milhões de brasileiros que quase nunca abrem a boca. Sofrem calados. E esperam. Por melhores dias. Boa sorte, José.

Um comentário:

Marcos Malacarne disse...

Buenas, Leandro! Sabe, que há uns 2 anos atrás, me deparei com uma situação semelhante, eu ia tomar uma atalho (estava a pé) por trás do pavilhão que tem na esquina da Olavo Bilac com a Feijó, ali tinha estacionado um caminhão, não lembro da onde era, e um dos motoristas me abordou e pediu uma informação. Dei a informação educadamente, como aprendi em casa, tratar bem não importa quem - e afinal, pareciam pessoas honestas e trabalhadoras. Era cedo ainda, mas os caras deviam, pela cara, estar acordados há muito, descansando um pouco num lugar meio de canto, tentando se localizar numa cidade estranha.
Qual foi minha surpresa, eu que nunca tive problemas de filhinhos de papai em lidar com pessoas humildes: o cara me agradeceu enfaticamente por ter parado e conversado com "nóis".
São pessoas assim que movem o nosso país, ironicamente - e não políticos sorridentes que nos viram a cara quando não é época de eleição