19 de ago. de 2007

Os vizinhos de baixo.


Os vizinhos de baixo eram uma típica família italiana Fiorentina. Os Fagioli eram compostos apenas de “la mamma” e “Il suo figliolo mammone”. Pareciam haver saído de um desenho dos Simpsons, caricatos. Os dois tinham caras de louco e talvez fossem. Raramente saiam de dentro de casa, e se o fizessem era somente para ir ao supermercado. Ela era uma senhora em torno dos setenta anos aparentemente normal, não fosse o mau humor e a menor vontade de se socializar. Ele ao invés era um solteirão de uns cinqüenta e poucos anos, careca apenas com os pára-lamas laterais, e sem os dentes da frente, só imaginem. Eles moravam no pavimento térreo e eu no primeiro andar logo acima. Várias vezes quando ia estender minhas roupas no varal dos fundos eu deixava cair alguma coisa justo no seu quintal. A primeira vez foi uma cueca. Putz, lá vou eu pro dicionário procurar a tradução de cueca – “mutanda” e lá fui:

- Toc, toc, toc. Atende a Sra. Fagioli.
- Ahhh, por favor a minha... nem terminei de falar e lá veio ele com uma cara de poucos amigos e minha cueca na ponta dos dedos.
Alguns dias depois foi a vez da meia, lá vou eu de novo. Bati na porta e quando comecei a falar a Sra. Fagioli num único gesto apontou para o corrimão da escada e lá estava pendurada a minha meia. Depois até me acostumei, já nem batia mais na porta, apenas descia a escada e lá estava a peça pendurada no corrimão da escada a minha espera.
Mas isso não era o pior... Todas as manhãs de sábado e domingo, dias que podia dormir até mais tarde, eu acordava ao som de óperas que mais pareciam ser a trilha sonora de um filme de terror. Não estou brincando, parecia um pesadelo, as músicas começavam baixas e tranqüilas, mas iam aumentando gradativamente a intensidade e tornavam-se tão dramáticas que até pareciam estar narrando a abertura das portas do inferno, sem exagero, isso quando ele não resolvia cantar junto. As paredes e lajes do prédio em que morava na Via di Ripoli eram muito finas e costumava-se ouvir tudo o que acontecia nos outros cômodos da casa e também nos apartamentos vizinhos.
Ao menos um sábado por mês os Fagioli tiravam para quebrar o pau em alto e bom tom por horas. Ela, a mãe, falava alguma coisa da cozinha e ele a esperava democraticamente terminar e então retrucava do quarto. E assim ficavam por horas. Não havia uma parte da casa em que não se ouvisse a discussão dos dois. O divertido é que era em italiano, com toda aquela encenação que eles fazem quando falam sobre alguma coisa, parecia estar ouvindo um filme.
Isso é muito comum nas famílias italianas e por várias vezes costuma acabar em morte. Na Itália as pessoas dificilmente matam umas as outras por motivos de assalto ou coisas do gênero, mas sim nas próprias famílias por motivos como ciúme, inveja, partilha de herança, ou então por suicídio. Era só ligar a televisão e os telejornais mostravam alguma coisa do gênero. Vai entender.
Mas lá pelas tantas, e já cansados, eles acabavam a discussão e ufa, que tranqüilidade, então ele, para desestressar um pouco, fazia adivinhem o que? Ópera, a todo volume – nãããããããããããããããããããoooooooooo.
Aquela situação piorou quando comecei a trabalhar a noite. Aí pude ver que as óperas não aconteciam apenas aos sábados e domingos como eu pensava, mas sim TODOS os dias, precisamente as onze e meia da manhã. Fui levando até que pude quando numa escaldante manhã de verão em que acordei aos “sons do apocalipse” resolvi falar com os Fagioli.

- Toc, toc, toc, e lá vem os dois para a porta quando eu com cara de boi manso começo a falar já sabendo que iria comprar uma briga.
- Vejam, posso pedi-los para baixar um pouco o volume..., eu trabalho a noite e costumo dormir ate próximo ao meio dia...

Pra que, a Sra. Fagioli começou a responder um pouco exaltada quando foi interrompida pelo filho que também irritado tomou frente e começou a explicar que tinha que agüentar o barulho, que nem era tanto, que eu fazia quando chegava em casa pela madrugada. Foi difícil. Ficamos discutindo por uns vinte minutos em que eu pacificamente tentei explicar o meu problema, quando vi que jamais conseguiria vencê-lo naquele embate, politicamente recuei pra não piorar minha situação no condomínio. Melhor assim, quando vi, eu e Fagioli já estávamos quase amigos e falando sobre coisas da vida. Foi quando chegamos a um acordo em que ele passaria a ouvir as óperas a partir da uma da tarde e eu não faria tanto barulho ao chegar em casa de noite. Nos despedimos e antes de entrar em casa Fagioli volta e me faz uma pergunta:

- Mas garoto, você gosta da minha música???

Báááá, e agora, o que eu vou dizer??? Se dissesse que sim ele não resistiria em tocar as músicas a qualquer hora em volume baixo, e se dissesse que não destruiria toda a relação de boa vizinhança que acabara de construir. Pensei rapidamente e consegui enrolá-lo dizendo:

- Ah sim, Pavarotti, meu pai adorava Pavarotti... que não tinha nada a haver com aquela situação, mas enfim, foi a forma que encontrei pra sair numa boa e esticar um pouco mais meu sono pela manhã – graças a minha tolerância, funcionou. E ainda assim eu seguidamente pensava: poderia ser pior, já pensou se fosse um vizinho que gostasse de metal melódico!! Nãããããoooooo

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