22 de jul. de 2007

"Carcere!!!"


Era um fim de tarde um pouco frio em Firenze, no meio da semana, tinha ido ao centro para fazer um giro como fazia de costume em meus dias de folga. Gastei um bom tempo na livraria Edison folhando alguns livros e tomando um belo caputino como adorava fazer. Fiquei ali matando um tempo até que se aproximou das sete e decidi que estava na hora de voltar pra casa. Vou andando tranquilamente pela Via Cavour até chegar a Piazza San Marco onde peguei o ônibus que, a aquela hora, não estava mais tão cheio. Me dirigi até o centro do ônibus onde encontrei um lugarzinho tranqüilo para me posicionar sem incomodar ninguém. Como já eram sete horas da noite, resolvi não comprar bilhete para aquela corrida (coisa de brasileiro), afinal àquela hora raramente haveria um fiscal de bilhete a bordo. Lá estou eu tranquilamente curtindo a viagem até que olho para o lado e vejo um senhor que vem lá da frente na minha direção e começa a gritar em alto e bom tom: “Carcere!! Devono andare tutti in carcere!!”, e parou ao meu lado onde continuava a gritar que todos deveríamos ir pra cadeia. Fiquei sem reação e como quem não sabia o que estava acontecendo dei uma olhada para o meu lado na esperança de o velho estar falando com uma outra pessoa, mas nada, era comigo mesmo. Haviam muitas pessoas sentadas e faziam de conta que nada estava acontecendo. Olhei para o velho e perguntei: desculpe-me, mas o senhor esta falando comigo? Existe algum problema? E ele ironicamente respondia: “Nããããao, não tem problema nenhum, e eu não estou falando com você...”, e continuava o discurso dizendo coisas do tipo: “Eu pago todos meus impostos e... eu é que sou o louco... Eu é que sou louco!!” A aquela altura não estava entendendo se o velho era mesmo louco ou se talvez havia surtado por me ver naquela corrida sem o bilhete. Assim mesmo eu poderia alegar que tinha um bilhete tipo passe livre para todo mês, como costumava fazer, mas ele continuava seu discurso e eu então pensei: que papelão, o que devo fazer agora? Comprar briga com o velho? Só iria me incomodar, pensei até mesmo em chamar a polícia por que estava me sentindo moralmente ofendido, mas se chamasse eu não estaria numa condição favorável para brigar, afinal não havia o bilhete, e depois pensei: é só um velho louco mesmo, e resolvi ficar quieto na minha, como se nada estivesse acontecendo. Olhei para as pessoas ao meu lado até que uma se manifestou dizendo: “é meio louco, louco”, então me tranqüilizei um pouco. Voltei a olhar para o velho e reparei que suas roupas estavam meio sujas, um indício de que ele poderia realmente ser meio louco. Passados alguns minutos, o velho desistiu de mim e foi lá para a parte de trás do ônibus onde encarou um outro jovem indiano que estava sentado e então da continuidade ao seu discurso onde a palavra predominante era adivinhem: “Carcere!!!”. Fiquei mais calmo, afinal eu não era o único do ônibus que o velho queria mandar pra cadeia. Então, com mais calma pensei: das duas uma - ou o velho era realmente louco, ou havia encontrado outro cara que, como eu, não havia bilhete; ou numa terceira hipótese o velho havia visto que ambos não havíamos bilhete e para fazer aquele escândalo, só poderia ser louco. Mas fiquei na minha até que o velho se sentou e “desligou”. A aquele ponto já estávamos quase chegando ao meu ponto de descida no Le Cure e o velho, agora sossegado, estava sentado em um banco próximo a janela, justo do lado onde eu desceria. Eu me mordendo de raiva pensei: Haha é agora que apronto uma pra esse velho... Desci lentamente pela parte de trás para que o velho não me enxergasse e já fora do ônibus chego à sua janela e dou duas batidinhas mínimas, ele olha para mim um tanto desavisado, quando aliviadamente mostrei o dedo na sua cara... E adivinhe qual a sua reação??? “Carcere!!!” E continuava a rir da minha cara como se tivesse me pegado em uma charada.
Em minha opinião o respeito é uma via de mão dupla. O velho até poderia ser louco e eu até poderia estar errado, não o suficiente para ir para a cadeia, mas o velho talvez, o suficiente para ir onde o mandei.

3 comentários:

Shirley Gibbons disse...

Adorei Cris... como sempre! Grande história!!!
Beijos!

Anônimo disse...

Cris! Me interessei e li até o final!!! hehehe E me lembrei de uma situação que passei em Manchester! Acho q em toda a Europa vc encontra loucos! E na Inglaterra além de loucos, bêdados e preconceituosos!! Um dia no ônibus, voltando para casa do trabalho, senta um homem no banco ao lado do meu. E começa a balbuciar sem parar... à sua frente está sentado um casal, q creio, era muçulmanos, ou de alguma etnia do oriente médio, pois a mulher tinha a cabeça coberta com lenços. O inglês, aparentemente bêbado, estava insultando sem parar o casal, e ele falava tudo isso pra mim! Esperando a minha aprovação a cada frase que pronunciava! O que eu deveria fazer?! Gelei! Fiquei sem reação! E ele continuou por vários minutos... já estava ficando com medo pois o homem chegava perto, falando alto e queria q eu concordasse com ele! Até q uma mulher, revoltada, se levanta e começa a brigar com ele, dizendo q a Inglaterra era um país livre, que ele não tinha o direito nenhum de tratar as pessoas daquela maneira! Por sorte, a minha parada era a próxima! Pois a situação estava ficando tensa! Não sei o que aconteceu depois... não sei se agi certo me omitindo, não saberia que ação tomar! O casal em nenhum momento se pronunciou, sequer se mexeu, nem olhou para trás para ver quem era que estava os insultando... talvez por medo, talvez por achar que nada mudaria a situação ou pior, talvez porque aquilo já era uma situação normal....São situações que somente lá fora a gente passa, e percebe como o mundo ainda tem muita coisa para evoluir, como ainda muitas barreiras devem ser quebradas, como ainda deve-se conhecer outras culturas, outros países para valorizar as nossas e respeitar as dos outros! Pois como vc mesmo disse, o respeito é uma via de mão dupla!

Cristian G. Moz disse...

Hehe, já ia me esquecendo, é bem isso Flavia, a europa é um continente com muita gente louca... vi outras coisas do gênero q acho nunca mais verei se não for por lá... Valeu